Ao perceber o debate provocado nas redes sociais e blogs e mesas de bares ( os melhores!!!) sobre a Marcha da Liberdade de Expressão e Direitos Humanos, fica claro pra mim, ela cumpriu uma de suas intenções. Provocou, questionou, promoveu a discussão.
O choque de ideias e pontos de vistas é conseqüência direta da diversidade, seja o polêmico discurso do professor Gerson Albuquerque (ao meu ver, pertinente em alguns pontos e equivocados em outros), o recorte unilateral feito em algumas mídias, as frases cheias de poesias e sonhos dos cartazes, as aspirações mais verdadeiras por mudanças no marchar dos jovens - ou a renovação dos passos no marchar dos mais velhos - os perdidos nos próprios passos e a firmeza no marchar dos guerreiros com sede de justiça e igualdade. Enfim, o pluralismo desta marcha e os debates posteriores mostraram que lidar com a liberdade é muito mais complexo e rico do que lidar com um rebanho obediente e alienado. Pensamentos próprios, idéias próprias, microfone aberto, este foi o tom.
Não havia um pastor, um chefe, um pensamento unilateral. Não éramos gado. As reivindicações e aspirações foram as mais diversas, muitas expressas, outras silenciadas. O tempo de cada um.
Emocionante a fala de Raimunda Bezerra quando disse que no momento em que alguém é convocado para explicar suas idéias é o reflexo de que tem algo muito sombrio acontecendo. Ou quando Haru Kuntanawa pediu um minuto de silêncio pelas mortes no campo. Ou quando Dani Mirini nos lembrou que todos os espaços culturais de Rio Branco estão fechados. Cadê o Casarão ? Teatro Hélio Melo ou Cine Teatro Recreio ? Ou quando Babu denunciou que teve problemas com a polícia, mais de uma vez, ao fazer seus grafites pela cidade. Emocionante, também, a grande ciranda, o grande mariri, ao som do batuque do Grupo Vivarte.
Um primeiro passo, realmente, o que são duzentas águias rebeldes?! Pelo que sei, em épocas de ditadura militar, a população estava anestesiada, poucos os que deram a cara a tapa, poucos os que tiveram coragem de se manifestar, arriscar sua vida – mesmo desaparecer na Bahia da Guanabara - ou se ausentar de sua pátria frente à sombra que envolvia o Brasil e a América Latina. Muitos nem percebiam o que estava acontecendo, dormiam. Nesta reflexão não tem como não me lembrar dos versos de Zé Ramalho: Povo Marcado, povo feliz, ou o da peça do grupo Cia de São Jorge: “o seu aconchego é o seu cativeiro”.
Alguns podem dizer que a comparação é exagerada, talvez seja, mas lembro a Censura do filme Eu não quero voltar sozinho ( Daniel Ribeiro – 2010) aqui no Acre, a polícia reprimindo com violência reivindicações pelo Brasil, entre outros fatos que ameaçam a democracia. Sim, a liberdade de expressão é assunto de pauta urgente! Corrupção e outros temas são conseqüências desta profunda crise ética que estamos atolados.
Espero que este debate se prolongue e muito, pois uma sociedade com um único ponto de vista, uma única religião ou um único pensamento político e ideológico é, sem dúvida, uma sociedade doente. Por isso devemos ser provocados e questionados sempre, pois não podemos afirmar nenhum tipo de verdade absoluta! Isso mesmo, questionem, provoquem, instiguem, sacudam esta letargia que invadiu nossas mentes, nosso comportamento. Confrontem, nos ensine com nossos próprios erros, não nos permitam nunca esquecer pelo que marchamos neste sábado, dia 18.Só não vale é faltar com o respeito e desqualificar, deixa isso pros pequenos. Vamos ter, sim, este debate inteligente e pró ativo.
Confesso, ao ler algumas matérias que julgo tendenciosas, como um dos que marchou, fiquei puto da vida. Mas depois percebi que ao ser confrontado, minhas convicções tornaram-se ainda mais claras. Fica aqui a mensagem para todos os outros que marcharam: o que nos diferencia do pensamento fundamentalista é justamente isso, a diversidade de pontos de vistas, não um pensamento engessado, feito de claro e escuro, inimigo de toda diferenciação. Nossa lógica é a lógica do arco íris, onde a pluralidade das cores convive com a unidade do mesmo arco íris, como bem disse o grande pensador libertário Leonado Boff.
Pra finalizar, tenho certeza que esta marcha não foi um fiasco, como já disse, só este debate já valeu a pena. Ainda no dia 18, durante a noite, por exemplo, durante a exibição do curta metragem censurado Eu não quero voltar sozinho, de Daniel Ribeiro,na frente do palácio e o rico debate aberto que ocorreu em seguida, na mesma escadaria que foi tomada por pensamentos excludentes e preconceituosos dias atrás, ficou ainda mais claro, é preciso sim, marchar, pensar, debater, refletir os processos que nos cercam. Despertar, antes que sementes ideológicas perigosas ganhem força e nos devorem sem ao menos percebermos. Antes que a situação se inverta, e quem precisa se explicar, de fato, convoque o lúcido para explicações, antes que nos esqueçamos que vivemos em um país Laico e plural.
Sérgio de Carvalho, produtor cultural, membro da ABDC Acre e cidadão.