por Sérgio de Carvalho – produtor audiovisual e vice-presidente da ABDeC no Acre
Daniel Ribeiro, formado em audiovisual pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), em 2008, já havia ganhado o Urso de Cristal no Festival de Cinema de Berlim, entre outros prêmios, com o ótimo curta Café com Leite. Em 2010 é novamente coroado com diferentes premiações por seu novo filme, o singelo Eu não quero voltar sozinho, considerado pela crítica especializada como um belíssimo trabalho por sua temática, roteiro, atuações e primor técnico.
Eu não quero voltar sozinho foi o grande vencedor no ano passado do Festival de Cinema de Paulínia, tanto pelo júri oficial quanto pelo voto popular, levou o Entretodos 3 – Festival de Curtas e Direitos Humanos Recebeu e ainda o 21° Curta Kinoforum – Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Recebeu o prêmio do público e de melhor curta-metragem no 23° Torino GLBT Film Festival, melhor direção no 15° Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, melhor curta-metragem no 12° Brazilian Film Festival of Miami e foi o ganhador no 21° Curta Kinoforum – Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Além dos prêmios do Troféu Mix Brasil Coelho de Prata e vários outras premiações em todo o mundo.
O filme e Daniel destacam-se na produção audiovisual nacional com todas essas premiações. Percebe-se em Eu Não Quero Voltar Sozinho o primor e a delicadeza com que o filme foi realizado. A história é sobre dois amigos de classe, Leonardo (Guilherme Lobo) e Giovana (Tess Amorim) , que são melhores amigos. Gabriel (Fabio Audi) é aluno novo na escola e assim que chega ele faz amizade com Léo e Giovana. Daí em diante os dois meninos vão se aproximar cada vez mais, e aos poucos vão descobrir melhor sobre seus sentimentos e sexualidade.
É um enredo que aborda a diversidade e trata da temática com muita naturalidade, talvez esse seja o grande mérito do filme. Léo é um personagem cego e em fase de descoberta de sua sexualidade. O que poderia ser um filme clichê, cheio de lugares comuns e dramalhão, revela-se em uma obra sensível, cheia de sutilezas e poesia (talvez aí esconda todo o terror que causou na bancada evangélica da ALEAC). Mostra o deficiente gay como um adolescente qualquer, que não é vítima de preconceitos e nem passa por nenhuma crise de aceitação ou descoberta. Um jovem , como qualquer outro, descobrindo o primeiro amor.
Uma das cenas mais bonitas do filme é quando Gabriel pergunta para Léo “Você sempre foi assim?” e este responde com outra pergunta “Assim como? Moreno?… Ou cego?”.
A homossexualidade não é aqui representada pelo grotesco, pelo drama ou pela sátira, como é geralmente mostrada na mídia. A deficiência não nos é revelada sobre o prisma da tragédia. O cotidiano e a naturalidade com que os temas são tratados o transformam em um grande filme.
A harmonia entre técnica, roteiro e linguagem é primorosa. A fotografia de tons opacos e cinzas revela-nos a cidade de São Paulo, assim como o universo das personagens. Sem contar a trilha sonora de Marcelo Camelo e Malu Magalhães que entra no momento certo e dialoga com a trama. Um filme curta metragem que supera o desafio de muito dizer em poucos minutos.
A polêmica no Acre
No Acre, porém, a recepção do filme foi bem diferente, recebeu censura ao invés de prêmios. Uma exibição foi realizada na escola Armando Nogueira como parte do programa Cine Educação, que é uma iniciativa do Ministério da Justiça e da Secretaria Extraordinária de Direitos Humanos da Presidência da República.
“No Acre, é capitaneado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH). Tal programa é um desdobramento da Mostra Latino-Americana de Cinema e Direitos Humanos, realizada no país e no nosso Estado há 5 anos, sempre em dezembro, com sucesso de público e de crítica. A idéia é reproduzir parte do conteúdo da referida mostra nas Escolas”, como bem esclarece o Secretário de Estado de Educação, Daniel Zen, que complementa em seu blog: “A temática dos filmes e documentários que constituem o portfólio do Cine Educação versa sobre direitos humanos em sentido amplo e não, necessariamente, sobre combate à homofobia... o que seria uma ação de cidadania e reflexão sobre diferenças, acabou por ter uma repercussão fundamentalista e de intolerância.”
Alguns alunos confundiram a obra com o "kit anti-homofobia", tendenciosamente também conhecido como “kit gay”. A confusão chegou aos ouvidos de líderes religiosos, que mobilizaram deputados da chamada bancada evangélica da Assembleia Legislativa do Acre. O pior foi o posicionamento desses parlamentares. Não se deram a responsabilidade de verificar o programa, assim como não se preocuparam em discutir com técnicos em educação, responsáveis pelo projeto e com profissionais de cinema o mérito do filme, desqualificando-o e pressionando o governo do Acre a suspender o Cine Educação.
O diretor do filme mostrou-se preocupado com as consequências da censura: “mesmo que o programa seja reativado, o curta Eu Não Quero Voltar Sozinho deverá excluído do catálogo e não mais ficará disponível para que professores o utilizem no debate de questões que envolvem algo tão elementar quanto a sexualidade humana e tão importante quanto a deficiência visual”.
“Adotar uma visão fundamentalista, radical ou xiita é estimular o ódio, a indiferença, a intolerância, a vilania, o desrespeito e a violência para com aqueles que têm opiniões, escolhas e opções diferentes das nossas. E isso é uma das questões que a educação, pública e privada, deve combater. Cumpre lembrar que posturas fundamentalistas e sectárias, que pregam superioridade de idéias, opiniões, escolhas ou etnias foram responsáveis por atrocidades tais como a Santa Inquisição, o Nazismo, o Holocausto, as ações da Klu Klux Kan e os atos de terrorismo da Al Quaeda, só para citar os casos mais emblemáticos”, complementa o Secretário Daniel Zen.
O movimento de audiovisual do estado do Acre, composto por diferentes organizações e cineclubes, escreveu uma carta de repúdio contra a censura promovida pela bancada evangélica da ALEAC e recebeu assinaturas de apoio de movimentos de cinema de todo o Brasil, como do Festival Internacional de Cinema MIX BRASIL e ABDs de diferentes estados (Associações Brasileiras de Documentaristas e Curta Metragistas), entre elas Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, São Paulo, Sergipe, Pernambuco. O Conselho Nacional de Cineclubes (CNC), que representa mais de 400 cineclubes no Brasil, e o Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) escreveram cartas próprias contra a censura, assim como o diretor do filme Daniel Ribeiro.
“De forma arbitrária, em uma república federativa cuja Constituição atesta um Estado laico, a sociedade está sendo privada de promover debates. Como pretendemos que adolescentes consigam respeitar a diversidade e formem-se cidadãos lúcidos, pensantes e ativos se informação, arte e cultura (sem qualquer caráter doutrinário) lhes são negadas? Eu Não Quero Voltar Sozinho não é um filme proselitista, tampouco ergue bandeiras de nenhuma natureza. É apenas uma obra de ficção amplamente premiada em festivais de cinema no Brasil e no exterior, cujos predicados artísticos e humanos transcendem qualquer crença. Ademais, se assuntos referentes à orientação sexual dos indivíduos e seus respectivos direitos civis estão na pauta do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, por que não debatê-los em sala de aula? Que combate sombrio é esse, que reacende a memória de um obscurantismo Inquisidor?”, finalizam Daniel Ribeiro e Diana Almeida, produtores do filme.
Eu não quero voltar sozinho foi o grande vencedor no ano passado do Festival de Cinema de Paulínia, tanto pelo júri oficial quanto pelo voto popular, levou o Entretodos 3 – Festival de Curtas e Direitos Humanos Recebeu e ainda o 21° Curta Kinoforum – Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Recebeu o prêmio do público e de melhor curta-metragem no 23° Torino GLBT Film Festival, melhor direção no 15° Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, melhor curta-metragem no 12° Brazilian Film Festival of Miami e foi o ganhador no 21° Curta Kinoforum – Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Além dos prêmios do Troféu Mix Brasil Coelho de Prata e vários outras premiações em todo o mundo.
O filme e Daniel destacam-se na produção audiovisual nacional com todas essas premiações. Percebe-se em Eu Não Quero Voltar Sozinho o primor e a delicadeza com que o filme foi realizado. A história é sobre dois amigos de classe, Leonardo (Guilherme Lobo) e Giovana (Tess Amorim) , que são melhores amigos. Gabriel (Fabio Audi) é aluno novo na escola e assim que chega ele faz amizade com Léo e Giovana. Daí em diante os dois meninos vão se aproximar cada vez mais, e aos poucos vão descobrir melhor sobre seus sentimentos e sexualidade.
É um enredo que aborda a diversidade e trata da temática com muita naturalidade, talvez esse seja o grande mérito do filme. Léo é um personagem cego e em fase de descoberta de sua sexualidade. O que poderia ser um filme clichê, cheio de lugares comuns e dramalhão, revela-se em uma obra sensível, cheia de sutilezas e poesia (talvez aí esconda todo o terror que causou na bancada evangélica da ALEAC). Mostra o deficiente gay como um adolescente qualquer, que não é vítima de preconceitos e nem passa por nenhuma crise de aceitação ou descoberta. Um jovem , como qualquer outro, descobrindo o primeiro amor.
Uma das cenas mais bonitas do filme é quando Gabriel pergunta para Léo “Você sempre foi assim?” e este responde com outra pergunta “Assim como? Moreno?… Ou cego?”.
A homossexualidade não é aqui representada pelo grotesco, pelo drama ou pela sátira, como é geralmente mostrada na mídia. A deficiência não nos é revelada sobre o prisma da tragédia. O cotidiano e a naturalidade com que os temas são tratados o transformam em um grande filme.
A harmonia entre técnica, roteiro e linguagem é primorosa. A fotografia de tons opacos e cinzas revela-nos a cidade de São Paulo, assim como o universo das personagens. Sem contar a trilha sonora de Marcelo Camelo e Malu Magalhães que entra no momento certo e dialoga com a trama. Um filme curta metragem que supera o desafio de muito dizer em poucos minutos.
A polêmica no Acre
No Acre, porém, a recepção do filme foi bem diferente, recebeu censura ao invés de prêmios. Uma exibição foi realizada na escola Armando Nogueira como parte do programa Cine Educação, que é uma iniciativa do Ministério da Justiça e da Secretaria Extraordinária de Direitos Humanos da Presidência da República.
“No Acre, é capitaneado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH). Tal programa é um desdobramento da Mostra Latino-Americana de Cinema e Direitos Humanos, realizada no país e no nosso Estado há 5 anos, sempre em dezembro, com sucesso de público e de crítica. A idéia é reproduzir parte do conteúdo da referida mostra nas Escolas”, como bem esclarece o Secretário de Estado de Educação, Daniel Zen, que complementa em seu blog: “A temática dos filmes e documentários que constituem o portfólio do Cine Educação versa sobre direitos humanos em sentido amplo e não, necessariamente, sobre combate à homofobia... o que seria uma ação de cidadania e reflexão sobre diferenças, acabou por ter uma repercussão fundamentalista e de intolerância.”
Alguns alunos confundiram a obra com o "kit anti-homofobia", tendenciosamente também conhecido como “kit gay”. A confusão chegou aos ouvidos de líderes religiosos, que mobilizaram deputados da chamada bancada evangélica da Assembleia Legislativa do Acre. O pior foi o posicionamento desses parlamentares. Não se deram a responsabilidade de verificar o programa, assim como não se preocuparam em discutir com técnicos em educação, responsáveis pelo projeto e com profissionais de cinema o mérito do filme, desqualificando-o e pressionando o governo do Acre a suspender o Cine Educação.
O diretor do filme mostrou-se preocupado com as consequências da censura: “mesmo que o programa seja reativado, o curta Eu Não Quero Voltar Sozinho deverá excluído do catálogo e não mais ficará disponível para que professores o utilizem no debate de questões que envolvem algo tão elementar quanto a sexualidade humana e tão importante quanto a deficiência visual”.
“Adotar uma visão fundamentalista, radical ou xiita é estimular o ódio, a indiferença, a intolerância, a vilania, o desrespeito e a violência para com aqueles que têm opiniões, escolhas e opções diferentes das nossas. E isso é uma das questões que a educação, pública e privada, deve combater. Cumpre lembrar que posturas fundamentalistas e sectárias, que pregam superioridade de idéias, opiniões, escolhas ou etnias foram responsáveis por atrocidades tais como a Santa Inquisição, o Nazismo, o Holocausto, as ações da Klu Klux Kan e os atos de terrorismo da Al Quaeda, só para citar os casos mais emblemáticos”, complementa o Secretário Daniel Zen.
O movimento de audiovisual do estado do Acre, composto por diferentes organizações e cineclubes, escreveu uma carta de repúdio contra a censura promovida pela bancada evangélica da ALEAC e recebeu assinaturas de apoio de movimentos de cinema de todo o Brasil, como do Festival Internacional de Cinema MIX BRASIL e ABDs de diferentes estados (Associações Brasileiras de Documentaristas e Curta Metragistas), entre elas Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, São Paulo, Sergipe, Pernambuco. O Conselho Nacional de Cineclubes (CNC), que representa mais de 400 cineclubes no Brasil, e o Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) escreveram cartas próprias contra a censura, assim como o diretor do filme Daniel Ribeiro.
“De forma arbitrária, em uma república federativa cuja Constituição atesta um Estado laico, a sociedade está sendo privada de promover debates. Como pretendemos que adolescentes consigam respeitar a diversidade e formem-se cidadãos lúcidos, pensantes e ativos se informação, arte e cultura (sem qualquer caráter doutrinário) lhes são negadas? Eu Não Quero Voltar Sozinho não é um filme proselitista, tampouco ergue bandeiras de nenhuma natureza. É apenas uma obra de ficção amplamente premiada em festivais de cinema no Brasil e no exterior, cujos predicados artísticos e humanos transcendem qualquer crença. Ademais, se assuntos referentes à orientação sexual dos indivíduos e seus respectivos direitos civis estão na pauta do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, por que não debatê-los em sala de aula? Que combate sombrio é esse, que reacende a memória de um obscurantismo Inquisidor?”, finalizam Daniel Ribeiro e Diana Almeida, produtores do filme.